Mensagem especial da semana
Humberto de Campos
"Enquanto as
empresas de turismo organizam na Terra os grandes cruzeiros
intercontinentais, realizando um dos mais belos esforços de
socialização do século XX, no mundo dos Espíritos organizam-se
caravanas de fraternidade, nos planos do intermúndio”.
Na região do estômago,
o privilégio pertence aos sujeitos felizes, bem fichados nos
círculos bancários, mas, nos planos do coração, os livros de
cheque são desnecessários.
Novo Gulliver da vida,
mergulho a minha observação nos espetáculos assombrosos,
experimentando, além das águas do Aqueronte11, a mudança integral
de todas as perspectivas.
Encarcerado no ponto
convencional de sua existência transitória, o homem terrestre é
aquela coruja incapaz de enfrentar a luz da montanha, em pleno dia,
suportando apenas a sombra espessa e triste de sua noite.
Como Ajax, filho de
Oileu, contempla, às vezes, o tridente irado dos deuses, mas, embora
a sua desesperação e o seu orgulho, não vai além da ilha, onde a
maré alta o atirou, nos caprichosos movimentos do oceano da Vida.
A morte não é uma fonte
miraculosa de virtude e de sabedoria.
É, porém, uma asa
luminosa de liberdade para os que pagaram os mais pesados tributos de
dor e de esperança, nas esteiras do Tempo.
Enquanto os astrônomos
europeus e americanos examinam, cuidadosamente, os seus telescópios,
para a contemplação da paisagem de Marte, à distância de quase
trinta e sete milhões de milhas, preparando as lentes poderosas de
seus instrumentos de ótica, fomos felicitados com uma passagem
gratuita ao nosso admirável vizinho do sistema solar, cuja passagem,
nas adjacências do orbe, vem empolgando igualmente os núcleos de
seres invisíveis, localizados nas regiões mais próximas da Terra.
A descrição das
viagens, desde o princípio deste século, é uma das modalidades
mais interessantes da literatura mundial; todavia, o homem que vá do
Rio de Janeiro a Tóquio, de avião, sem escalas de qualquer
natureza, não pode descrever o caminho, com os seus detalhes mais
interessantes.
Transmitirá aos seus
leitores a emoção da imensidade, mas não conseguirá pintar uma
nuvem.
Fora de suas máquinas
aéreas, poderia fornecer a impressão de uma águia, mas o turista
do Espaço, para se fazer entendido pelos companheiros da carne,
teria de recorrer às figuras mais atrevidas do mundo mitológico.
É por isso que apelarei
aqui para o véu de Ísis ou para o dorso de Pégaso, cuja patada fez
brotar a fonte de Hipocrene, no Hélicon das divindades.
Depois de alguns
segundos, chegávamos ao termo de nossa viagem vertiginosa.
Dentro da atmosfera
marciana, experimentamos uma extraordinária sensação de leveza...
Ao longe, divisei cidades
fantásticas pela sua beleza inédita, cujos edifícios, de algum
modo, me recordavam a Torre Eiffel ou os mais ousados arranha-céus
de Nova York.
Máquinas possantes, como
se fossem movidas por novos elementos do nosso “hélium”
balouçavam-se, ao pé das nuvens, apresentando um vasto sentido de
estabilidade e de harmonia, entre as forças aéreas.
Aos meus olhos,
desenhavam-se panoramas que o meu Espírito imaginara apenas para os
mundos ideais da mitologia grega, com os seus paraísos cariciosos.
Aturdido, interpelei o
chefe da nossa caravana, que se conservava silencioso:
Aqueronte -- Nome de um
dos quatro rios do Inferno, por onde as almas passavam sem esperança
de regressar, e de curso tão impetuoso que arrasta, qual se fossem
grãos de areia, grandes blocos de rochedos.
Ajax -- filho de Oileu
rei dos Lócrios (Grécia) era um príncipe intrépido, mas brutal e
cruel.
Equipou quarenta navios
para a guerra de Tróia.
Tomada esta, ele ultrajou
uma profetisa de classe, que se refugiara no templo, motivo por que
os deuses fizeram submergir sua esquadra.
Salvo do naufrágio,
agarrou-se a um rochedo, dizendo, com arrogância: Escapei, apesar da
cólera dos deuses! Irritados com o despejado orgulho, os deuses o
aniquilaram, ali mesmo.
Ísis -- Uma das
principais divindades egípcias.
Tendo reinado durante
muito tempo, foi, depois de morta, elevada à categoria de deusa (a
canonização dos tempos subsequentes), e em sua honra e culto
celebravam-se ritos, chamados -- Mistérios de Ísis.
Na forma comum, é
representada (à imagem das santas) sob a figura de uma jovem mulher,
sentada, amamentando um dos filhos, Hórus, tendo sobre a testa duas
pontas ou um globo lunar.
Pégaso -- Cavalo alado
que tem destacados feitos na mitologia grega.
Nele iam os poetas em
visita ao monte da inspiração.
Ainda hoje, em tropo
literário se diz que, em busca de inspiração, os poetas cavalgam o
Pégaso.
Nesse monte, chamado
Hélicon, Pégaso, com uma patada, fez surgir a fonte da água
inspiradora, denominada Hipocrene, isto é -- fonte do cavalo.
-- "Se a Terra julga
a influência de Marte como profundamente belicosa, como poderemos
conciliar a definição dos astrólogos com os espetáculos reais?"
-- "E, por ventura
-- respondeu-me o excelente mentor espiritual — chegaste a conhecer
no planeta terrestre um homem ou uma ideia, retirando a humanidade de
sua rotina, sem sofrimento e sem guerra?
Para o nosso mundo, Marte
é um irmão mais velho e mais experimentado na vida.
Sua atuação no campo
magnético de nossas energias cósmicas verifica-se de modo que os
homens terrenos possam despir os seus envoltórios de separatividade
e de egoísmo.
Mas, nesse instante,
havíamos chegado a um belo cômodo atapetado de verdura florida.
Ante os meus olhos
atônitos, rasgavam-se avenidas extensas e amplas, onde as
construções eram fundamente análogas às da Terra.
Tive então ensejo de
contemplar os habitantes do nosso vizinho, cuja organização física
difere um tanto do arcabouço típico, com que realizamos as nossas
experiências terrestres.
Notei, igualmente, que os
homens de Marte não apresentam as expressões psicológicas de
inquietação, em que se mergulham os nossos irmãos das grandes
metrópoles terrenas.
Uma aura de profunda
tranquilidade os envolve.
É que, esclareceu o
mentor que nos acompanhava, os marcianos já solucionaram os
problemas do solo e já passaram pelas experimentações da vida
animal, em suas fases mais grosseiras.
Não conhecem os
fenômenos da guerra e qualquer flagelo social seria, entre eles, um
acontecimento inacreditável.
Evolveram sem as
expiações coletivas, amarguradas e terríveis, com que são
atormentados os povos insubmissos da Terra.
As pátrias, aí, não
recebem o tributo do sangue ou da morte de seus filhos, mas são
departamentos econômicos e órgãos educativos, administrados por
instituições justas e sábias.
Era tempo, contudo, de
observarmos a cidade com as suas disposições interessantes.
O leitor não poderá
dispensar o nome dessa cidade prodigiosa, e à falta de termos
comparativos, chamemo-la Marciópolis.
Orientados pelo amigo que
nos dirigia a singular excursão, atingimos extensa praça, onde se
erguia um templo maravilhoso pela sua imponência, tocada de
majestosa simplicidade, e onde, ao que fomos informados, se haviam
reunido todos os credos religiosos.
De uma de suas
eminências, vimos o nosso Sol, bastante diferenciado, entornando na
paisagem as tintas do crepúsculo.
A vegetação de Marte,
educada em parques gigantescos, sofria grandes modificações, em
comparação com a da Terra.
É de um colorido mais
interessante e mais belo, apresentando uma expressão avermelhada em
suas características gerais.
Na atmosfera, ao longe,
vagavam nuvens imensas, levemente azuladas, que nos reclamaram a
atenção, explicando-nos o mentor da caravana fraterna que se
tratava de espessas aglomerações de vapor d'água, criadas por
máquinas poderosas da ciência marciana, afim de que sejam supridas
as deficiências do líquido nas regiões mais pobres e mais
afastadas do largo sistema de canais, que ali coloca os grandes
oceanos polares em contínua comunicação, uns com os outros.
Tais providências,
explica o espírito superior e benevolente, destinam-se a proteger a
vida dos reinos mais fracos da Natureza planetária, porque, em
Marte, o problema da alimentação essencial, através das forças
atmosféricas, já foi resolvido, sendo dispensável aos seus
habitantes felizes a ingestão das vísceras cadavéricas dos seus
irmãos inferiores, como acontece na Terra, superlotada de
frigoríficos e de matadouros.
Todavia, ao apagar das
luzes diuturnas, o grande templo de Marciópolis enchia-se de povo.
Observei que a nossa
presença espiritual não era percebida, mas podíamos examinar a
multidão, à vontade, em seus mínimos movimentos.
Todos os grandes centros
deste planeta, esclareceu o nosso amigo e mentor espiritual,
sentem-se incomodados pelas influências nocivas da Terra, o único
orbe de aura infeliz, nas suas vizinhanças mais próximas, e, desde
muitos anos, enviam mensagens ao globo terráqueo, através das ondas
luminosas, as quais se confundem com os raios cósmicos, cuja
presença, no mundo, é registrada pela generalidade dos aparelhos
radiofônicos.
Ainda há pouco tempo, o
Instituto de Tecnologia da Califórnia inaugurou um vasto período de
experimentações, para averiguar a procedência dessas mensagens,
misteriosas para o homem da Terra, anotadas com mais violência pelos
balões estratosféricos conforme as demonstrações obtidas pelo
Dr.Robert Millikan, nas suas experiências científicas.
A palestra esclarecedora
seguia o seu curso interessante, mas os movimentos na praça
acentuavam-se sobremaneira.
No horizonte, surgia uma
grande estrela de luz avermelhada, enquanto os dois satélites
marciáticos resplandeciam.
Todos os olhares fitavam
o céu, ansiosamente.
Aquela estrela era a
Terra.
Uma comissão de
cientistas iniciou, da tribuna maior do santuário, uma vasta série
de estudos sobre o nosso mundo distante.
Aparelhos luminosos foram
afixados, na praça pública, ao passo que presenciávamos a exibição
de mapas quase irrepreensíveis dos nossos continentes e dos nossos
mares.
Teorias notáveis com
respeito à situação espiritual do planeta terrestre foram
expendidas, entendendo perfeitamente as ideias dos estudiosos que as
expunham, através da linguagem universal do pensamento.
A Terra enviava-nos a sua
claridade, em reflexos trêmulos e tristes, observando, então, que
os marcianos haviam povoado o seu templo de telescópios poderosos.
Enquanto os melhores
aparelhos da América possuem um diâmetro de duzentas polegadas, com
a possibilidade de aumentar a imagem de Marte doze mil vezes, a
astronomia marciana pode contemplar e estudar a Terra, aumentando-lhe
a imagem mais de cem mil vezes, chegando ao extremo de examinar as
vibrações de ordem psíquica, na sua atmosfera.
A nossa grande surpresa
não parou aí, entre os mais avançados aspectos de evolução e de
cultura.
Enquanto a luz
avermelhada da Terra tocava a nossa visão espiritual, víamos que
todas as multidões do templo se haviam aquietado, de leve...
A Ciência unida à Fé
apresentava um dos espetáculos mais belos para o nosso espírito.
Vimos, então, que ao
influxo poderoso daquelas mentes irmanadas no mesmo nível evolutivo,
pela sabedoria e pelo sentimento, formara-se sobre o santuário uma
estrada luminosa, em cujos reflexos descera do alto um mensageiro
celeste.
Recebido com as intensas
vibrações de júbilo divino e silencioso, a figura, quase angélica,
começou a falar, depois de uma prece comovedora:
— "Irmãos, ainda
é inútil toda tentativa de comunicação com a Terra rebelde e
incompreensível!
Debalde os astrônomos
terrenos vos procuram ansiosos, nos abismos do Infinito!...
Seus telescópios estão
frios, suas máquinas, geladas.
Faltam-lhes os ardores
divinos da intuição sublime e pura, com as vibrações da fé que
os levariam da ciência transitória à sabedoria imortal.
Fatigados na impenitência
que lhes caracteriza as atividades inquietas e angustiosas, os homens
terrestres precisam de iluminação pelo amor, afim de que se afastem
do círculo vicioso da destruição, na tecnocracia da guerra.
Lá, os Irmãos se
devoram uns aos outros, com indiferença monstruosa! Os povos não se
afirmam pelo trabalho ou pela cultura, mas pelas mais poderosas
máquinas de morticínio e de arrasamento.
Todos os progressos
científicos são patrimônio do egoísmo utilitário ou elementos
sinistros da ruína e da morte!...
Enquanto as árvores de
Deus frondejam no caminho da Vida e do Tempo, cheias de frutos
cariciosos, as criaturas terrenas consideram-se famintas de violência
e de sangue.
A ciência de seres como
esses não poderia entender as vibrações mais elevadas do Espírito!
Os vícios de uma falsa
cultura casam-se aos vícios das religiões convencionalistas, que
estacionam em exterioridades nocivas ou se detém nos fenômenos, sem
cogitar das causas profundas, esquecendo-se o homem do templo divino
do seu coração, onde as bênçãos de Deus desejam florir e semear
a vida eterna!...
Tão singulares
desequilíbrios provocaram na personalidade terrestre um sentido
bestial que lhe corrompe os mais preciosos centros de força e,
somente agora, cogitam as instituições divinas da transição
necessária, afim de que a vida na Terra se efetive, com o sentido da
verdadeira humanidade, ali conhecido tão somente na exposição
teórica de alguns espíritos insulados!...
Irmãos, contemplemos a
Terra e peçamos ao Senhor do Universo para que as modificações,
precisas ao seu aperfeiçoamento, sejam menos dolorosas ao coração
de suas coletividades! Oremos pelos nossos companheiros, iludidos nas
expressões animais de uma vida inferior, de modo que a luz se faça
em seus corações e em suas consciências, possibilitando as
vibrações recíprocas de simpatia e comunicação, entre os dois
mundos!..."
A multidão ouvia-lhe a
palavra, atenta e comovida, e nós lhe escutávamos a exortação
profunda, como se fôramos convocados, de longe, pela harmonia mágica
da lira de Orfeu, quando o nosso mentor espiritual nos acordava do
êxtase, a nos bater levemente nos ombros, chamando-nos ao regresso.
Orfeu -- O músico mágico
da mitologia.
Seus acordes encantavam,
e atraíam as próprias feras.
Tendo sua esposa Eurídice
sido picada e morta por uma serpente, no dia nupcial, ele foi ao
Inferno onde obteve, pela sedução da sua lira, que divindades dali
lhe ressuscitassem a consorte, com a condição, porém, de não
olhar para trás, antes de deixar os limites do Inferno, cláusula
que Orfeu infringiu.
Essa lenda serviu de
enredo à conhecida ópera de Gluck — Orfeu.
Em todos os lugares, há
os que mandam, e vivem os que obedecem.
Na categoria dos últimos,
voltamos às esferas espirituais da Terra, como o homem ignorante que
fizesse um voo, sem escalas, através do mundo, confundido e
deslumbrado, embora não lhe seja possível definir o mais leve traço
de seu espantoso caminho.
Humberto de Campos
(Recebida pelo médium
Francisco Cândido Xavier, em 25 de julho de 1939).
Do livro "Novas
Mensagens", de Humberto de Campos, psicografado por Francisco
Cândido Xavier