Mensagem especial da semana
Matéria
publicada no Jornal Mundo Espírita - dezembro/2003
Ninguém
lhe conhecia a origem. Ela aparecera em Magdala, numa ocasião em que
a cidade transbordava de estrangeiros, vindos das festas de Jerusalém
e de caravanas carregadas de especiarias do Egito.
A
cidade, também denominada de Migdol Nunaya no Talmude, era uma
aldeia de pescadores, na beira ocidental do lago de Genesaré. Os
palácios se erguem, ao longo da praia, entre os leques das palmeiras
e a sombra dos jardins.
Nas
ruas calçadas, trafegam os mercadores, soldados de escudo e lança,
publicanos, o povo. Pelas mãos circulam dracmas, sestércios,
denários e papiros cambiais aos sons do hebraico, aramaico, grego e
latim.
Ela
chegara e logo adquirira fama: Maria. Logo se lhe acrescentara à
denominação, o nome da cidade: de Magdala. Era uma mulher de
grandes olhos nostálgicos e de longos cabelos caídos sobre as
espáduas, como onda escura de ouro.
Seu
palácio era procurado pelos príncipes das sinagogas, ricos
negociantes, opulentos senhores de terras e de escravos, funcionários
de alta categoria da administração herodiana, que lhe depositavam
no regaço moedas de ouro, joias, dracmas de prata, perfumes raros,
presentes exóticos.
Ela
se dava ao luxo de escolher quem lhe aprouvesse e se tornou detentora
dos segredos dos fariseus, aqueles que baixavam a cabeça na rua, com
ares pudicos, mas que a buscavam, embuçados em mantos negros, a
horas mortas.
Maria,
de Magdala ou Madalena, contudo, não era feliz. Surda tristeza a
minava, entregando-se, por vezes, dias seguidos, à profunda
amargura. Espíritos infelizes a tomavam, em noites variadas,
deixando-a alheada, olhos perdidos no mistério de insondáveis
distâncias.
Nessas
horas, as servas despediam, do átrio, todos os que a buscassem.
Alguns homens, sentindo-se preteridos, dobravam as ofertas pelas
horas de prazer que anteviam. Tudo em vão.
"Numa
noite de perfumes primaveris, instada por uma serva de confiança,
dedicada e fiel, permitiu um diálogo" (1) sobre o Rabi que
andava pelas estradas da Galileia e da Judeia.
Sentiu
a esperança renascer, ante a informação de que aquele Rabi
convivia com os pecadores, os excluídos. Ele viera para encontrar o
que estava perdido.
Numa
noite que "balouçava luzes miúdas no firmamento escuro"
(1), servindo-se de uma embarcação, atravessou o lago e foi ter com
Ele, em Cafarnaum.
Quando
Ele veio a Magdala, ela tomou de um vaso de alabastro que continha o
perfume do lótus. Custara-lhe o preço de um campo. Era seu presente
ao Amigo.
Sabendo-O
em casa de Simão, para lá se dirigiu. Como bom fariseu, Simão
experimentava um gozo particular em ostentar virtudes e recepcionar
amigos, apresentando, em seu palácio, personalidades que, por
qualquer motivo, se tornaram famosas.
Durante
meses, após um banquete, os comentários persistiam na cidade,
acerca dos personagens que sua casa acolhera.
Com
Jesus não fora diferente. Ele e dois de seus discípulos haviam
"merecido" a distinção de um banquete na rica vivenda de
Simão.
Quase
ao seu final, ouviram-se gritos e altercações. Depois, rompendo a
segurança, Madalena irrompe na sala.
Tudo
se deu tão rápido! Ela se arroja aos pés do Rabi que permanece
impassível, na posição em que se encontrava.
Surdos
cochichos perpassam pelo ambiente. Simão se enche de cólera, ante o
epílogo desastroso do seu jantar. Teme mandar expulsá-la, porque
sabe da sua coragem e ousadia. Ela o conhece muito bem, bem como a
tantos outros que ali se apresentam como homens de honra.
Jesus
serve-se do momento para lecionar o Amor, exaltando o gesto daquela
mulher que ajoelhada a seus pés, rega-os com suas lágrimas,
enxuga-os com seus cabelos e os unge com o excelso perfume que
impregna todo o ambiente, concluindo: "Por isso te digo que os
seus muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou; mas aquele
a quem pouco é perdoado, pouco ama."(Lucas, VII, 47)
Ergue-se
a voz de Jesus com infinita majestade:
"Mulher,
a tua fé te salvou; vai-te em paz."(Lucas, VII, 48)
"Na
manhã seguinte Magdala soube, pasmada, a notícia da conversão da
pecadora. Distribuíra tudo quanto possuía e, com o estritamente
necessário, iniciara nova vida." (1)
As
vozes da desonra e do despeito sussurravam que ela voltaria às
noites de prazer, que enlouquecera, que sempre fora louca.
Ela
se juntou aos que seguiam o Mestre. Discreta, mais de uma vez,
recebeu a bofetada da desconfiança. Sabia que não confiavam em sua
renovação, nem se davam conta de quantas tentações ela estava
procurando sublimar.
Chegados
os dias da denúncia de Judas, a prisão de Jesus, o julgamento
arbitrário, ei-la, caminhando para o Gólgota, acompanhando-O.
Permaneceu
ao pé da cruz, junto a Maria e o discípulo João. "Quando a
cabeça D'Ele pendeu, desejou cingir-lhe outra vez os pés e
osculá-los com ternura, mas se sentiu imobilizada." (1)
No
domingo, indo ao túmulo com Joana de Cusa, Maria, a mãe de Marcos e
outras mulheres, encontrou a pedra do sepulcro removida, dobrados os
lençóis que lhe haviam envolvido o corpo.
Ela
temeu que os judeus houvessem roubado o seu corpo. Enquanto as demais
mulheres retornaram a Jerusalém a informar o ocorrido, ela
permaneceu no jardim, a chorar.
A
saudade feita de dor lhe estrangulava o peito, quando ouviu a voz
d'Ele, chamando-a pelo nome. O Mestre estava ali, vivo, radioso como
a madrugada recém nascida.
Foi
anunciar o fato aos discípulos, que não creram. Por que haveria
Jesus de aparecer a ela, logo para ela? Somente Maria, a mãe d'Ele a
abraçou e lhe pediu detalhes.
Os
dias que se seguiram foram de saudades e recordações. As notícias
lhe chegavam doces. O encontro com os jornaleiros dos caminhos de
Emaús. A pesca incomparável. A jornada a Betânia.
Após
40 dias, no Monte das Oliveiras, junto aos quinhentos discípulos, O
viu ascender lentamente, as mãos voltadas para eles, como num gesto
de afago, as vestes luminosas, desaparecendo ante seus olhos.
Desejou
então seguir com os novos disseminadores da Boa Nova. Temeram que
sua presença pudesse ser perniciosa, semeando desconfiança,
naqueles dias incipientes das luzes do novo Reino.
Ela
experimentou soledade e abandono e, para arrefecer a imensa saudade
do Rabi passou a andar pelas longas praias que tanto O recordavam.
Numa
dessas tardes, encontrou leprosos que vinham de muito longe buscar o
socorro da cura.
Ela
os abraçou, dizendo-lhes que Jesus já partira. Deteve-se por horas
a falar, saudosa, do que aprendera com quem era o Caminho, a Verdade
e a Vida.
Depois,
seguiu com eles ao vale dos imundos.
Sentindo
que a seiva da vida diminuía em suas veias, desejou rever a doce Mãe
de Jesus, aquela que tanto a afagara em suas amarguras, e foi a
Éfeso, morrendo às portas da cidade, sendo brandamente recolhida
nos braços do Amor não Amado.
Fonte:http://www.feparana.com.br/biografia.php?cod_biog=211
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