Tema
da semana: “Ajuda-te e o Céu te ajudará”, de 02/01/2012 a 08/01/2012.
Irmão X
Nas asas
veludosas do sono, chegou o aprendiz ao Palácio Resplandecente da Grande
Esfera. Diante da luz que o circundava, suas vestes pareciam constituir pesada
túnica de lodo negro. Ofegante de júbilo, encontrou um mensageiro que o
aguardava, atencioso, no pórtico. Deslumbrado, ajoelhou-se e exclamou em
lágrimas:
– Emissário
dos Céus, meu espírito enlameado na carne vive prisioneiro da angústia sem
esperança. Em vão procuro a felicidade – mito dos mortais que vagueiam na
Terra! Sonho com a paz, desde os albores da existência, entretanto, vivo na
luta incessante do mal. Em derredor de mim estende-se a treva impenetrável do
sofrimento!... Detesto a dor, mas embalde lhe fujo aos grilhões! Atormento-me
por atender às obrigações espirituais que a fé me conferiu nos caminhos do
mundo, todavia, afronta-me a adversidade em toda parte. Os homens não me
compreendem, as circunstâncias repelem-me e, em todas as situações, sinto o
gume afiado da zombaria alheia. Ridicularizam-me os maus, enquanto os bons se
desinteressam de minha sorte! os ignorantes, preguiçosos, em demasia,
menosprezam-me o concurso e os sábios, excessivamente ocupados, não me
dispensam consideração. Perseguição por dificuldades sem conta, sinto-me
encarcerado em pesadas correntes de desespero. Ouço o sublime convite do
Evangelho da Luz, mas permaneço sitiado nas sombra pelos obstáculos e tropeços
de toda sorte. Se, num esforço supremo, tento abraçar a verdade, encontro
multidões de exploradores cínicos e de mentirosos sem consciência!... No
círculo de meus familiares, o infortúnio e a aflição constituem a, recompensa
aos meus serviços. Sou, talvez, uma peça útil na maquinaria doméstica pela
expressão econômica de minha presença, contudo, sinto frio e sede porque
ninguém se recorda de minha necessidade de conforto!...
Nesse
instante, soluços angustiosos escaparam-Lhe do peito opresso. E porque o mentor
amigo continuasse em silêncio, embora a compaixão que lhe transparecia do
olhar, o peregrino continuou em pranto:
– Viverei
assim todo o tempo de minha permanência na carne? não terei direito à paz, à
misericórdia? caminharei como condenado a tormento infernal, quando há tantas
mãos que abençoam e bocas que sorriem nas estradas humanas? que fazer para
remediar a situação dolorosa e terrível?
O emissário
fixou nele os olhos muito lúcidos e respondeu com serenidade:
– Não chores
por dificuldades imaginárias e nem te refiras a ingratidões inexistentes.
Chora por ti
mesmo, pela tua escolha individual no campo da luta! Cercou-te o Senhor de
dádivas sublimes. Deu-te o dia radiante de sol e a noite iluminada de estrelas,
para que busques a libertarão, mas preferes o encarceramento no escuro abismo
da primitiva animalidade. Foste à carne viver em nome d’Êle, Divino Doador das
Bênçãos, contudo, teimas em viver exclusivamente em nome do teu velho egoísmo.
Queres efetivamente a felicidade? faze a felicidade dos outros. Procuras a paz?
começa por apaziguar os próprios desejos e extinguir as paixões inferiores que
te vibram no ser. Falta-te a colaboração alheia? é que ainda não cooperaste
realmente para o bem. Pretendes que os demais se afeiçoem aos teus propósitos,
despreocupando-te das necessidades alheias.
A essa
altura, o mendigo terrestre enxugava os olhos, embora continuasse genuflexo.
Parecia
surpreendido, porquanto ao invés de consolação recebia esclarecimento.
– A
imponderação – continuou o mensageiro –, como acontece a muita gente, viciou-te
o dom da palavra. Grande é a tua eloquência para exprimir a queixa e profunda a
sutileza com que disfarças a realidade de teu mundo íntimo. Ainda não ajudaste
os ignorantes, nem respeitaste os sábios. Ao contacto com os primeiros, é
preciso exercer a bondade e a paciência, o entendimento e o perdão, e, no
convívio dos segundos, é necessário não esquecer a humildade e o
aproveitamento, a aplicação e o serviço. E, se choras no círculo da família,
muitas vezes bebes o fel do desespero, porque, negando-te à compreensão e ao
carinho fraternal, ofereces recursos materiais aos companheiros no sangue.
Talvez
porque o interpelado revelasse extrema perturbação no rosto, o emissário ofereceu-lhe
o braço amigo e terminou:
– Volta ao
serviço terreno, meu irmão, em nome de Nosso Divino Senhor! Perdoa e auxilia,
trabalha e espera, praticando o bem e esquecendo o mal.
O peregrino
da Terra estava confundido e humilhado, mas o mensageiro amparou-o,
seguindo-lhe os passos, no retorno ao corpo físico.
Convidado,
acompanhei-os, com emoção.
A manhã
ensolarada enchia-se de cânticos festivos.
O nosso
amigo acordou, vestiu-se e, ao café, uma senhora simpática indagou, humilde:
– Meu filho,
que direi aos companheiros que te pedem concurso para os tuberculosos
desamparados?
– Nada! –
resmungou êle – estou farto de gente má.
A
respeitável matrona voltou a perguntar:
– E aos
amigos de nossas atividades espiritualistas?
– Diga-lhes
que não! não estou disposto a suportar imbecilidades.
– Meu filho!
meu filho!... – exclamou a senhora, com inesquecível inflexão de voz.
– Estou
entediado, minha mãe! não me dê conselhos! – replicou êle agressivamente.
O generoso
orientador dispôs-se ao regresso e disse-me sem mágoa:
– Viu?
Inúmeros amigos encarnados rogam, com enternecimento, a proteção divina, mas
fogem a ela com indiferença e brutalidade.
E num
sorriso sereno:
–
Deixemo-los! Tentamos ajudá-los com a luz da verdade e do amor, mas preferem
esperar pelas trevas da dor e da morte.
Livro “Lázaro Redivivo”. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.
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