Tema da semana
“Perdoai, para que
Deus vos perdoe”
de 06/08/2012 a
12/08/2012
Humberto de Campos
As primeiras
peregrinações do Cristo e de seus discípulos, em torno do lago,
haviam alcançado inolvidáveis triunfos. Eram doentes atribulados
que agradeciam o alívio buscado ansiosamente; trabalhadores humildes
que se enchiam de santas consolações ante as promessas divinas da
Boa Nova.
Aquelas atividades,
entretanto, começaram a despertar a reação dos judeus rigoristas,
que viam em Jesus um perigoso revolucionário. O amor que o profeta
nazareno pregava vinha quebrar antigos princípios da lei judaica. Os
senhores da terra observavam cuidadosamente as palestras dos
escravos, que permutavam imenso júbilo, proveniente das esperanças
num novo reino que não chegavam a compreender. Os mais egoístas
pretendiam ver no profeta generoso um conspirador vulgar, que
desejava levantar as iras populares contra a dominação de Herodes;
outros presumiam na sua figura um feiticeiro incomum, que era preciso
evitar.
Foi assim que a viagem do
Mestre a Nazaré redundou numa excursão de grandes dificuldades,
provocando de sua parte as observações quase amargas que se
encontram no Evangelho, com respeito ao berço daqueles que o
deveriam guardar no santuário do coração. Não foram poucos os
adversários de suas ideias renovadoras que o precederam na cidade
minúscula, buscando neutralizar-lhe a ação por meio de falsas
notícias e desmoralizá-lo, argumentando com informações mal
alinhavadas de alguns nazarenos.
Jesus sentiu de perto a
delicadeza a situação que se lhe criara com a primeira investida
dos inimigos gratuitos de sua doutrina; mas, aproveitou todas as
oportunidades para as melhores ilações na esfera do ensinamento.
No entanto, o mesmo não
aconteceu a seus discípulos. Filipe e Simão Pedro chegaram a
questionar seriamente com alguns senhores da região, trocando
palavras ásperas, em torno das edificações do Messias. As
gargalhadas irônicas, as apreciações menos dignas lhes acendiam no
ânimo propósitos impulsivos de defesas apaixonadas. Não faltavam
os que viam no Senhor um servo ativo do espírito do mal, um inimigo
de Moisés, um assecla de príncipes desconhecidos, ou de traidores
ao poder político de Antipas. Tamanhas foram as discussões em
Nazaré, que os seus reflexos nocivos se faziam sentir fortemente
sobre toda a comunidade dos discípulos. Pedro e André advogavam a
causa o Mestre com expressões incisivas e sinceras. Tiago
aborrecia-se com a análise dos companheiros. Levi protestava,
expressando o desejo de instituir debates públicos, de maneira a
evidenciar-se a superioridade dos ensinos do Messias, em confronto
com os velhos textos.
Jesus compreendeu os
acontecimentos e, calmamente, ordenou a retirada, afastando-se da
cidade com tranquilo sorriso.
Não obstante a
determinação e apesar do regresso a Cafarnaum, a maioria dos
apóstolos prosseguiu em discussão, estranhando que o Mestre nada
fizesse, reagindo contra as envenenadas insinuações a seu respeito.
***
Daí a alguns dias,
obedecendo às circunstâncias ocorrentes naquela situação, Pedro e
Filipe procuraram avistar-se com o Senhor, ansiosos pela claridade
dos seus ensinos.
– Mestre, chamaram-vos
servo de Satanás e reagimos prontamente! dizia Pedro, com
sinceridade ingênua.
– Observávamos que por
vós mesmo nunca oporíeis a contradita – ajuntava Filipe, convicto
de haver prestado excelente serviço ao Mestre bem-amado – e por
isso revidamos aos ataques com a maior força de nossas expressões.
Não obstante o calor
daquelas afirmativas, Jesus meditava com uma doce placidez no olhar
profundo, enquanto os interlocutores o contemplavam, ansiando pela
sua palavra de franqueza e de amor.
Afinal, saindo de suas
reflexões silenciosas, o Mestre interrogou:
– Acaso poderemos
colher uvas nos espinheiros? De modo algum me empenharia em Nazaré
numa contradita estéril aos meus opositores. Contudo, procurei
ensinar que a melhor réplica é sempre a do nosso próprio trabalho,
do esforço útil que nos seja possível. Nesse particular, não
deixei de operar na minha esfera de ação, de modo a produzir
resultados a nossa excursão à cidade vizinha, tornando-a
proveitosa, sem desdenhar as palavras construtivas no instante
oportuno. De que serviriam as longas discussões públicas, inçadas
de doestos e zombarias? Ao termo de todas elas, teríamos apenas
menores probabilidades para o triunfo glorioso do amor e maiores
motivos para a separatividade e odiosas dissensões. Só devemos
dizer aquilo que o coração pode testificar mediante atos sinceros,
porque, de outra forma, as afirmações são simples ruído sonoro de
uma caixa vazia.
– Mestre – atalhou
Filipe, quase com mágoa –, a verdade é que a maioria de quantos
compareceram às pregações de Nazaré falava mal de vós!
– Mas, não será
vaidade exigirmos que toda gente faça de nossa personalidade elevado
conceito? – interrogou Jesus com energia e serenidade.
– Nas ilusões que as
criaturas da Terra inventaram para a sua própria vida, nem sempre
constitui bom atestado da nossa conduta o falarem todos bem de nós,
indistintamente. Agradar a todos é marchar pelo caminho largo, onde
estão as mentiras da convenção. Servir a Deus é tarefa que deve
estar acima de tudo e, por vezes, nesse serviço divino, é natural
que desagrademos aos mesquinhos interesses humanos. Filipe, sabes de
algum emissário de Deus que fosse bem apreciado no seu tempo? Todos
os portadores da verdade do céu são incompreendidos de seus
contemporâneos. Portanto, é indispensável consideremos que o
conceito justo é respeitável, mas, antes dele, necessitamos obter a
aprovação legítima da consciência, dentro de nossa lealdade para
com Deus.
– Mestre – obtemperou
Simão Pedro, a quem as explicações da hora calavam profundamente
–, nos acontecimentos mais fortes da vida, não deveremos, então,
utilizar as palavras enérgicas e justas?
– Em toda
circunstância, convém naturalmente que se diga o necessário,
porém, é também imprescindível que não se perca tempo.
Deixando transparecer que
as elucidações não lhe satisfaziam plenamente, perguntou Filipe:
– Senhor, vossos
esclarecimentos são indiscutíveis; entretanto, preciso acrescentar
que alguns dos companheiros se revelaram insuportáveis nessa viagem
a Nazaré: uns me acusaram de brigão e desordeiro; outros, de mau
entendedor de vossos ensinamentos. Se os próprios irmãos da
comunidade apresentam essas falhas, como há de ser o futuro do
Evangelho?
O Mestre refletiu um
momento e retrucou:
– Estas são perguntas
que cada discípulo deve fazer a si mesmo. Mas, com respeito à
comunidade, Filipe, pelo que me compete esclarecer, cumpre-me
perguntar-te se já edificaste o reino de Deus no íntimo do teu
espírito.
– É verdade que ainda
não – respondeu, hesitante, o apóstolo.
– De dentro dessa
realidade, podes observar que, se o nosso colégio fosse constituído
de irmãos perfeitos, teria deixado de ser irrepreensível pela
adesão de um amigo que ainda não houvesse conquistado a divina
edificação.
Ambos os discípulos
compreenderam e se puseram a meditar, enquanto o Cristo continuava:
– O que é
indispensável é nunca perdermos de vista o nosso próprio trabalho,
sabendo perdoar com verdadeira espontaneidade de coração. Se nos
labores da vida um companheiro nos parece insuportável, é possível
que também algumas vezes sejamos considerados assim. Temos que
perdoar aos adversários, trabalhar pelo bem dos nossos inimigos,
auxiliar os que zombam da nossa fé.
Nesse ponto de suas
afirmativas, Pedro atalhou-o, dizendo:
– Mas, para perdoar não
deveremos aguardar que o inimigo se arrependa? E que fazer, na
hipótese de o malfeitor assumir a atitude dos lobos sob a pele da
ovelha?
– Pedro, o perdão não
exclui a necessidade da vigilância, como o amor não prescinde da
verdade. A paz é um patrimônio que cada coração está obrigado a
defender, para bem trabalhar no serviço divino que lhe foi confiado.
Se o nosso irmão se arrepende e procura o nosso auxílio fraterno,
amparemo-lo com as energias que possamos despender; mas, em nenhuma
circunstância cogites de saber se o teu irmão está arrependido.
Esquece o mal e trabalha pelo bem. Quando ensinei que cada homem deve
conciliar-se depressa com o adversário, busquei salientar que
ninguém pode ir a Deus com um sentimento de odiosidade no coração.
Não poderemos saber se o nosso adversário está disposto à
conciliação; todavia, podemos garantir que nada se fará sem a
nossa boa vontade e pleno esquecimento dos males recebidos. Se o
irmão infeliz se arrepender, estejamos sempre dispostos a ampará-lo
e, a todo momento, precisamos e devemos olvidar o mal.
Foi quando, então, fez
Simão Pedro a sua célebre pergunta:
– “Senhor, quantas
vezes pecará meu irmão contra mim, que lhe hei de perdoar? Será
até sete vezes?”
Jesus respondeu-lhe,
calmamente:
– Não te digo que até
sete vezes, mas até setenta vezes sete.
***
Daí por diante, o Mestre
sempre aproveitou as menores oportunidades para ensinar a necessidade
do perdão recíproco, entre os homens, na obra sublime da redenção.
Acusado de feiticeiro, de
servo de Satanás, de conspirador, Jesus demonstrou, em todas as
ocasiões, o máximo de boa vontade para com os espíritos mais
rasteiros de seu tempo. Sem desprezar a boa palavra, no instante
oportuno, trabalhou a todas as horas pela vitória do amor, com o
mais alto idealismo construtivo. E no dia inesquecível do Calvário,
em frente dos seus perseguidores e verdugos, revelando aos homens ser
indispensável a imediata conciliação entre o espírito e a
harmonia da vida, foram estas as suas últimas palavras:
– “Pai, perdoa-lhes,
porque não sabem o que fazem!...”
Do livro “Boa nova”.
Psicografia de
Francisco Cândido Xavier.
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