sábado, 12 de novembro de 2011

A importância de ser pequeno


"Leia ouvindo a melodia de fundo"

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Amélia Rodrigues

Sopravam os ventos quentes do dia em febre.
Cafarnaum regurgitava. Galileus e estrangeiros pelas ruas calçadas com pedras irregulares em azáfama ininterrupta,  e  as  mesas  dos  cambistas  estavam  cobertas  de  moedas  de diferentes povos que ali as comercializavam com estridentes gritos e imprecações.
 A  quadro  do  verão  trazia  levas  de  viajantes  que  atravessavam  o  Jordão  conduzindo  suas mercadorias valiosas, quais tecidos de veludo, sedas, tapetes, vasos de cerâmica, alimentos e  especiarias  diversas,  que  eram  vendidos  ou  trocados  pelos  produtos  locais,  como  trigo, peixes defumados, azeite, vinho capitoso...
 Considerada  uma  das  mais  importantes  cidades  da  orla do lago Tiberíades, derramava-se, exuberante no seu tom verde dos pomares ricos de frutos, na direção do mar gentil, do qual recebia  os  ventos  amenos  do  entardecer,  que  lhe  diminuíam  o  calor  asfixiante,  que predominava noutras regiões na mesma época.
 Célebre também, em razão da sua sinagoga, que constituía verdadeiro orgulho, faca à sua construção grandiosa para os padrões locais, traçada em linhas nobres e colunas decoradas, a  religião  era  tida  em  alta  conta,  enquanto  os  sacerdotes  e  fariseus  se  mancomunavam contra  o  poder  temporal,  que  detestavam,  exercido  pela  águia  romana  presente  em  toda parte, graças aos espiões intrigantes e hábeis caluniadores que viviam em rudes pelejas.
 Discutia-se por mesquinhezas e exigia-se o cumprimento rígido das mínimas imposições da Lei, que lhes constituía a diretriz para todos os atos da existência física.
 Colocando-se acima dos menos cultos, que eram explorados sem piedade, esses religiosos implacáveis  se  disputavam  a  hegemonia  do  poder,  trafegando  influência  junto  ao administrador  da  cidade  que,  embora  odiado,  representava  a  aspiração  máxima  de  muitos desses pigmeus morais de todos os tempos.
 A  infâmia  e  a  urdidura  do  mal  viviam  de  mãos  dadas  em  toda  parte,  e  Cafarnaum  não constituía  exceção,  antes,  pelo  contrário,  diante  da  sinagoga  ou  nas  esquinas  das  praças, para  onde  confluíam  as  multidões,  sempre  se  debatiam  venialidades  e  acusações suspeitosas contra alguém.
 Cada  época  da  humanidade  representa  as  suas  próprias  exulcerações  morais  e  políticas, sociais e econômicas.
 Os pobres, esses que nunca têm voz, viviam apavorados ou se submetiam às circunstâncias esdrúxulas, a fim de sobreviverem entre aqueles que se entredevoravam.
 É  nesse  contexto  histórico,  rico  de  crueldade  e  primarismo,  que  se  situa  Jesus,  e  no  qual resplandece a Sua Mensagem de amor e de justiça.
 Nesse clima de sordidez e animosidades contínuas, a Sua palavra se alcandora e se ergue, convidando todos à renovação e ao trabalho gigantesco em favor da construção de uma Era Nova de solidariedade e de paz.
 É claro que não haveria lugar para Ele nem para o Seu verbo. Visto  com  desconfiança,  identificado  como  revolucionário  e  perturbador  do  que equivocadamente  denominavam  como  ordem,  era  acompanhando  nos  Seus  movimentos  e palavras, normalmente adulteradas em favor dos interesses hediondos em que laboravam os inimigos do bem.
*
 - Que vínheis discutindo pelo caminho? - Indagou sereno, Jesus, aos amigos, que chegaram esfogueados e suarentos à casa de Simão, filho de Jonas, o pescador, onde os aguardava.
 Tomados  de  surpresa,  dos  discípulos  aturdidos  entreolharam-se,  sem  coragem  de responder.
 Homens simples e toscos, comportavam-se, às vezes, como crianças desatentas em relação aos deveres, entregando-se a contendas inúteis e pelejas rudes por questões irrisórias...
 Assim,  sempre  eram  admoestados  carinhosamente,  mas  com  pelo  Amigo,  que  lhes trabalhava o amadurecimento espiritual.
 A jornada, que ali encerravam, havia sido traçada com segurança, significando-lhe o primeiro desafio a enfrentar, como preparação para os dias porvindouros.
 O Mestre aguardava-os com a habitual generosidade, feita de misericórdia e de compaixão.
 Amava-os com dúlcida ternura. Entregara-se lhes com dedicação total, embora sabendo das dubiedades  e  dificuldades  interiores.  Por  isso,  convocara-os  para  o  ministério, reconhecendo-lhes  todos  os  problemas  emocionais  e  debilidades  morais.  Alguns  eram Espíritos nobres, que se emboscaram no corpo, que lhes amortecia a elevação, a fim de O seguirem, espalhando a Notícia.
 As  suas  inexperiências  facultavam  aprendizagem  mais  segura  para  os  testemunhos  do futuro. Por tal razão, tateavam nas sombras dos labirintos da insegurança até encontrarem o caminho que iriam percorrer com invulgar grandeza de alma.
 Nada, porém , naqueles momentos iniciais.
 Arrancados  da  faina  simples  e  repetitivas  do  cotidiano  monótono,  a  súbita  mudança  não conseguiu alçá-los de imediato à altura correspondente.
 Esse resultado se faria, somente, pouco a pouco.
 É sempre assim que se dá o amadurecimento moral, que faz do pigmeu um gigante e do ser simples, que a fornalha do sofrimento modela, um verdadeiro herói.
 Aquele era o material humano disponível para a constituição da Era do Espírito Imortal e se tornava necessário trabalhá-lo com carinho e firmeza.
*
A pergunta permaneceu no ar, sem reposta.
A princípio, sentiram-se constrangidos, embaraçados.
 Deram-se conta da pouca importância da questão do debate, mas constavam novamente o poder do Mestre no insondável dos seus pensamentos.
 Por fim, vencendo o conflito, sem agastamento, responderam alguns:
 -  Vínhamos  discutindo  em  torno  de  quem  de  nós  era  o  maior,  o  mais  amado,  o  de importância  mais significativa.
 " Todos reconhecemos que João é distinguido pelo vosso amor; Pedro é merecedor da mais expressiva  confiança;  Judas  guarda  as  moedas  e  se  encarrega  do  controle  de  nossas modestas finanças ... E os demais? Que somos e que papel desempenhamos no grupo?
 " Afinal, qual de nós o maior?"
 Certamente  se  sentiam  contristados  pela  disputa,  mas  houve-a,  era  justo  serem  honestos, libertando-se das dúvidas.
 Jesus envolveu-os na luz da compaixão, e com a sabedoria habitual, respondeu-lhes:
 -  O  grão  de  mostarda,  menor  e  mais  insignificante  que  qualquer  outra  semente,  reverdece com  o mesmo tom o sol abençoado pelo trigo vigoroso. A bolota do carvalho desenvolve a árvore  grandiosa  que  nela  jaz,  assim  como  o  pólen  quase  e invisível de todas as flores se encarrega  de  transmitir  beleza  e  perpetuar  a  espécie  em  outras  plantas...Todos  são importantes na paisagem terrestre.
 " O grão de areia se anula ante outro para construir a praia imensa que recebe o carinhoso movimento das ondas arrebentando-se no seu leito reluzente".
 "Tudo é importante diante do meu Pai, não pela grandeza, mas pelo significado de que cada coisa se reveste para a utilidade da vida".
 "Entre  os  homens,  o  maior  é  sempre  aquele  que  se  esquece  de  si  mesmo,  tornando-se  o melhor  servidor,  aquele  que  não  cansa  de  ajudar,  que  se  encontra  sempre  disposto  para cooperar e servir sem outra preocupação, qual não seja a de beneficiar ... Quem se apaga para que outro brilhe, torna-se o combustível, sem o qual a luminosidade desaparece".
 "  Há  uma  grande  importância  em  ser  pequeno,  graças  a  cuja  contribuição  se  apresenta  o conjunto grandioso ".
 Fez  um  oportuno  silêncio,  a  fim  de  ensejar  aos  amigos  a  reflexão  para que nunca mais se esquecessem do enunciado e prosseguiu:
 Aquele  que,  dentre  vós,  desejar  ser  o  maior,  o  mais  importante,  o  mais  amado,  torne-se  o melhor servidor, o mais atento amigo, sempre vigilante para ajudar e desculpar, porque esse, sim, fará falta, será notado como ausente, se tornará alicerce para a construção do edifício do Bem.
 No silêncio que se fez natural, os viajantes dispersaram-se pelas diversas peças da casa de Simão, enquanto lá fora, o Sol de verão dardejava os seus raios de fogo sobre a terra que abrasava.

 (*) Lucas 9 - 46
Nota da Autora Espiritual

Psicografia de Divaldo Franco – Do Livro Até o Fim dos Tempos

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