Tema da semana:
“A ingratidão dos filhos e os
laços de família”
de 02/04/2012 a 08/04/2012
Allan Kardec
O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
A ingratidão dos filhos e os laços de
família
9. A ingratidão
é um dos frutos mais diretos do egoísmo. Revolta sempre os corações honestos.
Mas, a dos filhos para com os pais apresenta caráter ainda mais odioso. E, em
particular, desse ponto de vista que a vamos considerar, para lhe analisar as causas
e os efeitos.
Também nesse caso, como em todos os outros, o Espiritismo projeta luz sobre um
dos grandes problemas do coração humano.
Quando deixa
a Terra, o Espírito leva consigo as paixões ou as virtudes inerentes à sua natureza
e se aperfeiçoa no espaço, ou permanece estacionário, até que deseje receber a
luz. Muitos, portanto, se vão cheios de ódios violentos e de insaciados desejos
de vingança; a alguns dentre eles, porém, mais adiantados do que os outros, é dado
entrevejam uma partícula da verdade; apreciam então as funestas consequências de
suas paixões e são induzidos a tomar resoluções boas.
Compreendem que, para chegarem
a Deus, uma
só é a senha: caridade. Ora, não há caridade sem esquecimento
dos ultrajes e das injúrias; não há caridade sem perdão, nem com o coração
tomado de ódio.
Então,
mediante inaudito esforço, conseguem tais Espíritos observar os a quem eles odiaram
na Terra. Ao vê-los, porém, a animosidade se lhes desperta no íntimo; revoltam-se
à ideia de perdoar, e, ainda mais, à de abdicarem de si mesmos, sobretudo à de amarem
os que lhes destruíram, quiçá, os haveres, a honra, a família. Entretanto, abalado
fica o coração desses infelizes. Eles hesitam, vacilam, agitados por sentimentos
contrários. Se predomina a boa resolução, oram a Deus, imploram aos bons Espíritos
que lhes deem forças, no momento mais decisivo da prova.
Por fim,
após anos de meditações e preces, o Espírito se aproveita de um corpo em
preparo na família daquele a quem detestou, e pede aos Espíritos incumbidos de transmitir
as ordens superiores permissão para ir preencher na Terra os destinos daquele corpo
que acaba de formar-se. Qual será o seu procedimento na família escolhida? Dependerá
da sua maior ou menor persistência nas boas resoluções que tomou. O incessante contato
com seres a quem odiou constitui prova terrível, sob a qual não raro sucumbe, se
não tem ainda bastante forte a vontade. Assim, conforme prevaleça ou não a
resolução boa, ele será o amigo ou inimigo daqueles entre os quais foi chamado
a Viver. E como se explicam esses ódios, essas repulsões instintivas que se
notam da parte de certas crianças e que parecem injustificáveis. Nada, com
efeito, naquela existência há podido provocar semelhante antipatia; para se lhe
apreender a causa, necessário se torna volver o olhar ao passado.
Ó espíritas!
compreendei agora o grande papel da Humanidade; compreendei que, quando produzis
um corpo, a alma que nele encarna vem do espaço para progredir; inteirai- vos
dos vossos deveres e ponde todo o vosso amor em aproximar de Deus essa alma;
tal a missão que vos está confiada e cuja recompensa recebereis, se fielmente a
cumprirdes. Os vossos cuidados e a educação que lhe dareis auxiliarão o seu
aperfeiçoamento e o seu bem estar futuro. Lembrai-vos de que a cada pai e a
cada mãe perguntará Deus: Que fizestes do filho confiado à vossa guarda? Se por
culpa Vossa ele se conservou atrasado, tereis como castigo vê-lo entre os
Espíritos sofredores, quando de vós dependia que fosse ditoso. Então, vós
mesmos, assediados de remorsos, pedireis vos seja concedido reparar a vossa falta;
solicitareis, para vós e para ele, outra encarnação em que o cerqueis de melhores
cuidados e em que ele, cheio de reconhecimento, vos retribuirá com o seu amor.
Não escorraceis,
pois, a criancinha que repele sua mãe, nem a que vos paga com a ingratidão; não
foi o acaso que a fez assim e que vo-la deu. Imperfeita intuição do passado se revela,
do qual podeis deduzir que um ou outro já odiou muito, ou foi muito ofendido; que
um ou outro veio para perdoar ou para expiar. Mães! abraçai o filho que vos dá desgostos
e dizei convosco mesmas: Um de nós dois é culpado. Fazei-vos merecedoras dos gozos
divinos que Deus conjugou à maternidade, ensinando aos vossos filhos que eles estão
na Terra para se aperfeiçoar, amar e bendizer. Mas oh! muitas dentre vós, em vez
de eliminar por meio da educação os maus princípios inatos de existências anteriores,
entretêm e desenvolvem esses princípios, por uma culposa fraqueza, ou por descuido,
e, mais tarde, o vosso coração, ulcerado pela ingratidão dos vossos filhos, será
para vós, já nesta vida, um começo de expiação.
A tarefa não
é tão difícil quanto vos possa parecer. Não exige o saber do mundo. Podem desempenhá-la
assim o ignorante como o sábio, e o Espiritismo lhe facilita o desempenho,
dando a conhecer a causa das imperfeições da alma humana.
Desde
pequenina, a criança manifesta os instintos bons ou maus que traz da sua existência
anterior. A estudá-los devem os pais aplicar-se. Todos os males se originam do
egoísmo e do orgulho. Espreitem, pois, os pais, os menores indícios reveladores
do gérmen de tais vícios e cuidem de combatê-los, sem esperar que lancem raízes
profundas. Façam como o bom jardineiro, que corta os rebentos defeituosos à medida
que os vê apontar na árvore. Se deixarem se desenvolvam o egoísmo e o orgulho, não
se espantem de serem mais tarde pagos com a ingratidão. Quando os pais hão feito
tudo o que devem pelo adiantamento moral de seus filhos,
se não alcançam
êxito, não têm
de que se inculpar
a si mesmos
e podem conservar tranquila a consciência. A amargura
muito natural que então lhes advém da improdutividade de seus esforços, Deus reserva
grande e imensa consolação, na certeza de que se trata apenas de um
retardamento, que concedido lhes será concluir noutra existência a obra agora começada
e que um dia o filho ingrato os recompensará com seu amor. (Cap. XIII, nº 19.)
Deus
não dá prova superior às forças daquele que a pede; só permite as que podem ser
cumpridas. Se tal não sucede, não é que falte possibilidade: falta a vontade.
Com efeito, quantos há que, em vez de resistirem aos maus pendores, se comprazem
neles. A esses ficam reservados o pranto e os gemidos em existências posteriores.
Admirai, no entanto, a bondade de Deus, que nunca fecha a porta ao arrependimento.
Vem um dia em que ao culpado, cansado de sofrer, com o orgulho afinal abatido, Deus
abre os braços para receber o filho pródigo que se lhe lança aos pés. As provas
rudes, ouvi-me bem, são quase sempre indício de um fim de sofrimento e de um aperfeiçoamento
do Espírito, quando aceitas
com o pensamento em Deus. E um momento supremo, no
qual, sobretudo, cumpre ao Espírito não falir murmurando, se não quiser
perder o fruto de tais provas e ter de recomeçar. Em vez de vos queixardes,
agradecei a Deus o ensejo que vos proporciona de vencerdes, a fim de vos
deferir o prêmio da vitória. Então, saindo do turbilhão do mundo terrestre, quando
entrardes no mundo dos Espíritos, sereis aí aclamados como o soldado que sai
triunfante da refrega.
De todas as
provas, as mais duras são as que afetam o coração. Um, que suporta com coragem a
miséria e as privações materiais, sucumbe ao peso das amarguras domésticas, pungido
da ingratidão dos seus. Oh! que pungente
angústia essa! Mas, em tais circunstâncias, que mais pode, eficazmente,
restabelecer a coragem moral, do que o conhecimento das causas do mal e a certeza
de que, se bem haja prolongados despedaçamentos d’alma, não há desesperos
eternos, porque não é possível seja da vontade de Deus que a sua criatura sofra
indefinidamente? Que de mais reconfortante, de mais animador do que a ideia que
de cada um dos seus esforços é que depende abreviar o sofrimento, mediante a destruição, em si, das causas do
mal? Para isso, porém, preciso se faz que o homem não retenha na Terra o
olhar e só veja uma existência; que se eleve, a pairar no infinito do passado e
do futuro. Então, a justiça infinita de Deus se vos patenteia, e esperais com paciência,
porque explicável se vos torna o que na Terra vos parecia verdadeiras monstruosidades.
As feridas que aí se vos abrem, passais a considerá-las simples arranhaduras. Nesse
golpe de vista lançado sobre o conjunto, os laços de família se vos apresentam sob
seu aspecto real. Já não vedes, a ligar-lhes os membros, apenas os frágeis laços
da matéria; vedes, sim, os laços duradouros do Espírito, que se perpetuam e consolidam
com o depurarem-se, em vez de se quebrarem por efeito da reencarnação.
Formam famílias
os Espíritos que a analogia dos gostos, a identidade do progresso moral e a afeição
induzem a reunir-se. Esses mesmos Espíritos, em suas migrações terrenas, se
buscam, para se gruparem, como o fazem no espaço, originando-se daí as famílias
unidas e homogêneas. Se, nas suas peregrinações, acontece ficarem temporariamente
separados, mais tarde tornam a encontrar-se, venturosos pelos novos progressos
que realizaram. Mas, como não lhes cumpre trabalhar apenas para si, permite Deus
que Espíritos menos adiantados encarnem entre eles, a fim de receberem
conselhos e bons exemplos, a bem de seu progresso. Esses Espíritos se tornam,
por vezes, causa de perturbação no meio daqueles outros, o que constitui para
estes a prova e a tarefa a desempenhar.
Acolhei-os,
portanto, como irmãos; auxiliai-os, e depois, no mundo dos Espíritos, a família
se felicitará por haver salvo alguns náufragos que, a seu turno, poderão salvar
outros. - Santo Agostinho. (Paris, 1862.)
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