Tema da semana
“Pecado por pensamento. Adultério”
De 10/03/2014 a 16/03/2014
Irmão X - Humberto de Campos
Jesus
havia terminado uma de suas pregações na praça pública, quando percebeu que a
multidão se movimentava em alvoroço. Alguns populares mais exaltados
prorrompiam em gritos, enquanto uma mulher ofegante, cabelos desgrenhados e
faces macilentas, se aproximava dele, com uma súplica de proteção a lhe sair
dos olhos tristes. Os muitos judeus ali aglomerados excitavam o ânimo geral,
reclamando o apedrejamento da pecadora, na conformidade das antigas tradições.
Solicitado,
então, a se constituir juiz dos costumes do povo, o Mestre exclamou com
serenidade e desassombro, causando estupefação aos que o ouviram :
–
Aquele que estiver sem pecado atire a primeira pedra.
Por
toda a assembleia se fez sentir uma surpresa inquietante. As acusações morreram
nos lábios mais exaltados. A multidão ensimesmava-se, para compreender a sua
própria situação. Enquanto isso, o Mestre pôs-se a escrever no solo
despreocupadamente.
Aos
poucos, o local ficara quase deserto. Apenas Jesus e alguns discípulos lá se
conservavam, tendo ao lado a mulher a ocultar as faces com as mãos.
Em
dado instante, o Mestre Divino ergueu a fronte e perguntou à infeliz :
–
Mulher, onde estão os teus juízes?
Observando
que a pecadora lhe respondia apenas com o olhar reconhecido, onde as lágrimas
aljofravam num misto de agradecimento e alegria, Jesus continuou :
–
Ninguém te condenou? Também eu não te condeno. Vai e não peques mais.
A
infeliz criatura retirou-se, experimentando uma sensação nova no espírito. A generosidade
do Messias lhe iluminava o coração, em claridades vivas que lhe banhavam a alma
toda. Mas, enquanto a pecadora se retirava, presa de intensa alegria, os poucos
discípulos que se encontravam junto do Senhor não conseguiam ocultar a
estranheza que lhes causara o seu gesto. Por que não condenara ele aquela
mulher de vida censurável aos olhos de todos? Não se tratava de uma adúltera?
Nesse ínterim, João se aproximou e interrogou:
–
Mestre, por que não condenastes a meretriz de vida infame?
Jesus
fixou no discípulo o olhar calmo e bondoso e redarguiu :
–
Quais as razões que aduzes em favor dessa condenação? Sabes o motivo por que
essa pobre mulher se prostituiu? Terás sofrido alguma vez a dureza das
vicissitudes que ela atravessou em sua vida? Ignoras o vulto das necessidades e
das tentações que a fizeram sucumbir a meio do caminho. Não sabes quantas vezes
tem sido ela objeto do escárnio dos pais, dos filhos e dos irmãos das mulheres
mais felizes. Não seria justo agravar-lhe os padecimentos infernais da
consciência pesarosa e sem rumo.
–
Entretanto – exclamou João, defendendo os princípios da lei antiga – ela pecou
e fez jus à punição. Não está escrito que os homens pagarão, ceitil por ceitil,
os seus próprios erros?
O
Mestre sorriu sem se perturbar e esclareceu :
–
Ninguém pode contestar que ela tenha pecado; quem estará irrepreensível na face
da Terra? Há sacerdotes da lei, magistrados e filósofos, que prostituíram suas
almas por mais baixo preço ; contudo, ainda não lhes vi os acusadores. A
hipocrisia costuma, campear impune, enquanto se atiram pedras ao sofrimento.
João, o mundo está cheio de túmulos caiados. Deus, porém, é o Pai de Bondade
Infinita que aguarda os filhos pródigos em sua casa. Poder-se-ia desejar para a
pecadora humilde tormento maior do que aquele a que ela própria se condenou por
tempo indeterminado? Quantas vezes lhe tem faltado pão à boca faminta ou a
manifestação de um carinho sincero à alma angustiada? Raras dores no mundo
serão idênticas às agonias de suas noites silenciosas e tristes. Esse o seu
doloroso inferno, sua, aflitiva condenação. EÉ que, em todos os planos da vida,
o instituto da justiça divina funciona, naturalmente, com seus princípios de
compensação.
“Cada
ser traz consigo a fagulha sagrada do Criador e erige, dentro de si, o
santuário de sua presença ou a muralha sombria da negação; mas, só a luz e o
bem são eternos e, um. dia, todos os redutos do mal cairão, para que Deus
resplandeça no espírito de seus filhos. Não é para ensinar outra coisa que está
escrito na lei – “Vós sois deuses!” Porventura, não sabes que a herança de um
pai se divide entre os filhos em partes iguais? As criaturas transviadas são as
que não souberam entrar na posse de seu quinhão divino, permutando-o pela
satisfação de seus caprichos no desregramento ou no abuso, na egolatria ou no
crime, pagando alto preço pelas suas decisões voluntárias. Examinada a situação
por esse prisma, temos de reconhecer no mundo uma vasta escola de regeneração,
onde todas as criaturas se reabilitam da traição aos seus próprios deveres. A
Terra, portanto, pode ser tida na conta de um grande hospital, onde o pecado é
a doença de todos ; o Evangelho, no entanto, traz ao homem enfermo o remédio
eficaz, para que todas as estradas se transformem em suave caminho de redenção.
“É por
isso que não condeno o pecador para afastar o pecado e, em todas as situações,
prefiro acreditar sempre no bem. Quando observares, João, os seres mais tristes
e miseráveis, arrastando-se numa noite pejada de sombra e desolação lembra-te
da semente grosseira que encerra um gérmen divino e que um dia se elevará do
seio da terra para o beijo de luz do Sol.”
Terminada
a explicação do Mestre, o filho de Zebedeu, deixando transparecer na luz do
olhar a sua profunda admiração pôs-se a meditar nos ensinamentos recebidos.
***
Muito
tempo ainda não transcorrera depois desse acontecimento, quando Jesus subiu de
Cafarnaum. para Jerusalém, acompanhado por alguns de seus discípulos.
Celebravam-se festas tradicionais entre os judeus. O Messias chegou num sábado,
sob a fiscalização severa dos espíritos rigoristas de sua época. Não foras<
poucos os paralíticos que o cercaram, ansiosos pelo benefício de sua virtude
salvadora. Escandalizando os fanáticos, o Mestre orava e consolava, na sua
jornada de gloriosa redenção. Explicando que o sábado fora feito para o homem e
não o homem para o sábado, enfrentava sorridente as preocupações dos mais
exigentes.
Vendo
tantos cegos e aleijados aglomerados à passagem, "Tiago o interpelou:
–
Mestre, sendo Deus tão misericordioso, porque pune seus filhos com defeitos e
moléstias tão horríveis?...
–
Acreditas, Tiago – respondeu Jesus – que Deus desça de sua sabedoria e de seu
amor para punir seus próprios filhos? O Pai tem o seu plano determinado com
respeito à criação inteira; mas, dentro desse plano, a cada criatura cabe uma
parte na edificação, pela qual terá de responder. Abandonando o trabalho
divino, para viver ao sabor dos caprichos próprios, a alma cria para si a
situação correspondente, trabalhando para reintegrar-se no plano divino, depois
de se haver deixado levar pelas sugestões funestas, contrárias à sua própria
paz.
João
compreendeu que a Palavra do Messias era a confirmação dos ensinamentos que já
ouvira de seus lábios, na tarde em que a multidão exigia o apedrejamento da pecadora.
Afastaram-se,
em seguida, do Tanque de Betsaida cujas águas eram tidas, em Jerusalém, na
conta de miraculosa e onde o Mestre fizera andar paralíticos, dera vista a
cegos e limpara leprosos. Na companhia de Tiago e João, o Senhor encaminhou-se
para o templo, onde um dos paralíticos que ele havia curado relatava o
acontecido, cheio de sincera alegria. Jesus aproximou-se dele e deixando
entrever aos seus discípulos que desejava confirmar os ensinamentos sobre
pecado e punição, falou-lhe abertamente, como se lê no texto evangélico de João
: – “Eis que estás são. Não peques mais, para que te vão suceda coisa pior.”
***
Desde
que esses ensinos foram dados, novas ideias de fraternidade povoaram o mundo,
com respeito aos transviados, aos criminosos e aos inimigos, atingindo a
própria organização política dos Estados.
O
Império Romano vulgarizara os mais nefandos processos de regeneração ou de
vingança. Escravos ignorantes eram pasto das feras, nos divertimentos públicos,
pelas faltas mais insignificantes nas casas dos patrícios. Só de uma vez,
trinta mil desses servos, a quem se negava qualquer bem do espírito, foram
crucificados numa festa, próximo aos soberbos aquedutos da Via Ápia. Os açoites
humilhantes eram castigo suave.
Entretanto,
desde a tarde em que Jesus se encontrou com a pecadora em frente da multidão,
um pensamento novo entrou a dominar aos poucos o espírito do mundo. A
substância evangélica do ensino inolvidável penetrou o aparelho judiciário de
todos os povos. A sociedade começou a compreender suas obrigações e procurou
segregar o criminoso, como se isola um doente, buscando auxiliar lhe a reforma
definitiva, por todos os meios ao seu alcance. Os menores delinquentes foram
amparados pelas numerosas escolas de regeneração. Todo o sistema da justiça
humana evolveu para os princípios da magnanimidade, e os juízes modernos,
lavrando suas sentenças, sem nunca haverem manuseado o Novo-Testamento, talvez
ignorem, que procedem assim por ter sido Jesus o grande reformador da
criminologia.
Do livro “Boa Nova”. Psicografia de
Francisco Cândido Xavier
[...] Entendamos a
palavra pecado de forma ampla e mais completa, como sendo todo e qualquer
desrespeito à ordem, atentado à vida e desequilíbrio moral íntimo. [...]
Referência:FRANCO, Divaldo P. Loucura e obsessão. Pelo Espírito Manoel P. de
Miranda. 9a ed. Rio de Janeiro: FEB, 2003. - cap. 10
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