Tema
da semana
“Odiar
os pais”
de
17/12/2012 a 23/12/2012
Raul Teixeira
Eu
conheci Karen numa das viagens que fiz a uma das cidades do Sul do
Brasil.
Uma
jovem que à época contava 16 para 17 anos. Loira, quase ruiva,
olhos de um azul celestial. Magrinha, de pequena estatura, mas uma
alma muito querida.
Procurou-me
depois de uma palestra e perguntou-me se poderia falar duas coisas
comigo. Acedi, dei-lhe o tempo e Karen começou a me falar que
carregava um grave problema na alma. As lágrimas chegaram aos seus
olhos sem cair. Perguntei-lhe qual era o problema tão grave e ela
respondeu-me que era sua mãe.
Mas
o que pode haver de tão grave com sua mãe? Retruquei.
E
Karen me respondeu, deixando que as lágrimas agora rolassem.
É
que minha mãe é meretriz e eu não quero saber dela, envergonho-me
dela. Tenho um namoradinho, professor, e tenho muita
vergonha que ele saiba que minha mãe é assim. Gostaria
de nunca mais vê-la.
Vi
o sofrimento daquela jovem, na forma como ela narrava os tormentos do
seu coração em relação à situação de sua mãe.
Percebendo
isso dirigi-me a Karen e lhe perguntei: Por acaso, minha
amiga, você já conversou com sua mãe, para saber dela o que a
levou a esse estilo de vida?
Possivelmente
sua mãe o tenha feito para defendê-la. Na fragilidade do
próprio coração, queria salvar a filha, de repente, de
um padrasto, de alguém que ela temesse desrespeitar
você. Converse com sua mãe, tenho certeza de que
você ainda vai descobrir a mãe que tem.
Karen
chorou, abraçou-me, perguntou se poderia me escrever. Eu assenti.
Duas
semanas depois do nosso encontro em sua cidade, eu recebo uma pequena
carta da jovenzinha e ela me dizia: Telefonei para minha mãe
e pedi a ela um encontro para que conversássemos.
Ela
ficou tão contente e marcamos de conversar no dia X.
Fiquei
aguardando a chegada do dia X, para ver o que é que a menina iria me
escrever depois.
Quase
um mês se passou, quando recebi uma cartinha mais longa de Karen e
dizia-me que conversaram, ela e sua mãe, durante uma noite inteira.
De fato, sua mãe confirmara que tivera medo de casar-se outra vez
depois da viuvez e alguém, introduzido no seu lar, abusar de sua
filha que ela amava tanto.
Pela
fragilidade de sua alma ela, então, se envolveu com um homem, se
envolveu com outro homem e quando se deu conta, estava viciada em se
envolver com os homens.
A
jovem me falava na carta que sentiu uma ternura tão grande por sua
mãe, que ficaram amigas ao fim da conversa.
Já
tinham combinado de irem morar no mesmo apartamento, as duas ficariam
no mesmo quarto para que pudessem conversar durante muitas horas,
retirando o atraso daquele tempo em que estiveram distanciadas, não
pela mãe mas pela filha.
Tempos
depois recebi outra mensagem da jovem do Sul, dizendo-me que sua mãe
era a melhor pessoa do mundo, como a amava, como a ajudava e que
estava vivendo com sua mãe, um verdadeiro paraíso.
Já
tinha apresentado seu namorado para a mãe e sua mãe o tratava muito
bem, ele gostava da futura sogra.
Os
dias foram se passando, os meses. Dois anos depois da primeira
conversa, Karen me diz que tinha ficado noiva, depois me manda o
convite do seu casamento para o qual sua mãe seria a madrinha. Seria
uma festa de corações. Ela se reconciliara com sua genitora e,
agora, Karen tem dois meninos.
Atualmente
um tem seis anos, outro tem quatro anos, amam a avó, vivem no mesmo
lar.
A
antiga mãe atormentada pela prostituição se converteu no anjo
tutelar da família. Cuida dos netos para que a filha e o genro
possam trabalhar. Ama as crianças de paixão e a reconciliação
abriu as portas da alma de Karen para descobrir um amor que a amava
tanto, ainda que à distância.
* * *
Quando
penso na história de Karen, história que eu conheci pessoalmente,
fico imaginando quantos dramas familiares existem nessa mesma
direção.
Filhos,
filhas que se antagonizam com pais, com mães, cheios de razões e
muitas vezes com razões de fato, mas que nunca se predispuseram a
ouvir as razões do outro.
Conversar
com o pai, conversar com a mãe, saber o que de fato aconteceu e
abrir a alma para saber perdoar. Nenhum filho tem esse direito de
ficar de mal com sua mãe, de ficar de mal com seu pai, por mais
complicados que eles sejam, porque foram eles que nos
permitiram chegar.
Há
muitas mães certinhas, cheias de virtudes, mas que não deixam os
filhos nascerem. Há muitos pais certinhos socialmente, cultos, mas
que não querem filhos.
Então
os nossos pais, as nossas mães ainda que pobres, analfabetos,
portando certos vícios, até o hábito da prostituição sexual, mas
que abriram as portas da reencarnação para que nós chegássemos.
Não
é sem sentido que o Decálogo de Moisés estabelece num dos seus
mandamentos: Honra a teu pai e a tua mãe, a fim de viveres
longo tempo na terra que o Senhor te dará.
Honrar
é respeitar. Ninguém poderá impor a um filho amar o seu pai, amar
a sua mãe, principalmente quando consideramos as nuanças da
reencarnação.
Muitas
vezes renascemos como filhos, como filhas de antigos inimigos nossos.
Muitas vezes recebemos no lar como filhos, como filhas, antigos
adversários nossos e é natural que, pelas Leis da afinidade, nós
não tenhamos tantas aberturas para amar, tanto incentivo para amar.
Toleramos, suportamos, no entanto, respeitando sempre.
Não
precisamos concordar com tudo que eles fazem. Mas odiar o pai, odiar
a mãe, ter raiva do pai, ter raiva da mãe certamente nos complicará
porque isso caracterizará um crime de lesa-coração, um crime de
desrespeito aos pais, de ingratidão, que o Evangelho aponta como
sendo uma das coisas mais sérias que a alma pode contrair, para sua
vivência atual e futura.
Do
mesmo modo, precisamos nos reconciliar com nossos amores, pai, mãe,
irmãos enquanto é tempo, enquanto estamos juntos deles. Não nos
esqueçamos que foi Jesus Cristo que nos propôs: Reconcilia-te
com teu adversário, enquanto estás a caminho com ele. Enquanto
estamos aqui na Terra.
Se
o nosso adversário falecer antes de nós ou nós antes dele, teremos
aí um grave imbróglio, porque pode ser que ele, no Além, não nos
perdoe as ingratidões, a malquerença, os distúrbios provocados em
sua vida.
Pode
ser que daqui não tenhamos mais chances de pedir-lhes desculpas, de
pedir-lhes perdão e carregaremos o complexo de culpa, o tormento
íntimo durante uma existência inteira, sentindo sempre que somos
culpados ou responsáveis pelas desditas que eles passaram ou mesmo
por sua morte.
Quantas
vezes encontramos filhos, esposos, amigos que se agarram à alça do
ataúde onde estão os corpos das pessoas por eles desamadas e gritam
e se desesperam. Para quem esteja vendo parecerá bem querer, mas no
fundo da alma de cada uma pode ser complexo de culpa.
Eu
podia ter vivido melhor com ele.
Eu
podia ter sido melhor para ela
.
Eu
podia ter feito um pouco mais para nos reconciliarmos.
Eu
poderia ter investido um pouco mais, para não deixar murchar o amor,
que nunca morre
.
A
indiferença, a malquerença nos complica. Antes de irmos ao
templo entregar nossa oferenda, diz o Evangelho,
antes de irmos para as nossas práticas religiosas, sejam elas quais
forem, reconciliemos o coração com aquelas pessoas que nos atendem,
que nos servem ou mesmo com aqueles que nos antagonizam, que são
nossos adversários ou mesmo que sejam nossos inimigos.
É
por isto que, baseando-nos nos ensinos de Jesus Cristo, entendo
Karen, entendi Karen.
E
há tantas outras Karens vivendo no mundo, precisando amar.
Transcrição
do Programa Vida e Valores, de número 209, apresentado por Raul
Teixeira, sob coordenação da Federação Espírita do Paraná
Programa gravado
em agosto de 2009.Exibido pela NET, Canal 20, Curitiba, no dia 13 de
junho de 2010.
Em
11.10.2010.
ANOTAÇÕES DE FAMÍLIA
As
famílias quando varam
Travessias
dolorosas
Lembram
roseiras de espinhos
Acobertadas
de rosas.
Emmanuel
Psicografia:
Francisco Cândido Xavier Livro: Família
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