sábado, 9 de abril de 2016

Inquietações Justificáveis


Amélia Rodrigues

Aquele fora um dia exaustivo e cheio de surpresas.

A Boa Nova espraiava-se como perfume docemente carreado por mansa brisa. Cidades e aldeias da Galileia eram beneficiadas pelas informações libertadoras em torno da vida, do ser humano e do Reino de Deus. Outras tetrarquias igualmente haviam sido abençoadas pela presença do Rabi, e de regiões próximas, além do rio Jordão, pertencentes a outros países, chegavam peregrinos e enfermos em busca da Sua misericórdia.

Por outro lado, aumentava também a animosidade de fariseus, saduceus e herodianos contra Jesus, por sentirem-se ameaçados pelas sublimes palavras de que Ele se fizera portador, e em razão do seu absoluto desinteresse pelas posses materiais e quejandos.

O retorno de Gadara, após a libertação de Legião e da indiferença dos gerasenos, mais interessados nos seus porcos do que no Mestre, causara sentimentos desencontrados e frustrantes nos Seus companheiros.

Enquanto as barcas cortavam as ondas em movimentos contínuos sob um céu iluminado fortemente pelo Astro-rei, alguns discípulos não escondiam a decepção e a raiva em decorrência do acontecimento... Caprichosos, sequer deram oportunidade ao Rabi para que expusesse o que possuía de beleza interior para oferecer-lhes. A sua agressividade, às portas da cidade, irritara Pedro a tal ponto, que Lhe solicitara fizesse descer fogo celeste para os destruir, no que não fora atendido.

O Mestre compreendia-os na ignorância em que se refugiavam e tivera deles infinita compaixão. Nem toda semente encontra solo fértil para germinar. Ele cumprira com o dever de auxiliar o enfermo a ver-se livre da opressão terrível dos obsessores que o constringiam, desde há muito, ameaçando-lhe a existência.

Após o largo percurso no mar, atingiram a praia de Cafarnaum onde a multidão acostumada a ouvi-lo e a receber-Lhe as bênçãos, ansiosamente aguardava inquieta.

Repetiu-se o espetáculo dos infelizes trazidos por familiares e a esforço pessoal, a fim de conseguirem a cura para as suas mazelas. Não lhes interessavam muito as palavras repassadas de ternura e misericórdia, saturadas de amor, que lhes podiam propiciar a cura real profunda, a do Espírito. A preocupação exclusiva era com o corpo e suas deficiências, sem sabedoria para tentar entender-lhes as causas.

Quando o velário da noite desceu, salpicado de lírios estelares, após a refeição na casa de Simão, o Amigo buscou a praia quase deserta onde as ondas sucessivas do mar cantavam sua melodia, aureoladas pela espuma branca que as praias absorviam e aguardou que os amigos se Lhe acercassem, o que logo ocorreu.

Suave perfume de flores miúdas misturadas à maresia e tudo mais em volta formavam um cromo em movimento de beleza incomum.

Bartolomeu era talvez o discípulo mais discreto e algo experiente. Nascera em Caná da Galileia e era conhecido como Natanael (que significa Deus deu) Bar Tolmay, que ao ser apresentado a Jesus, o Mestre lhe informou que já o conhecia pelas suas reflexões à sombra das árvores na cidade. Mas ele, por sua vez, quando informado sobre o Mestre e Sua origem redarguira, perguntando: - Que pode vir de bom de Nazaré? Tornara-se-Lhe discípulo humilde e devotado, que mais tarde daria a existência em holocausto de amor em Sua memória.

Utilizando-se do silêncio que se fizera natural, interrogou o amado Amigo: Por que os demônios exercem domínio sobre as criaturas humanas, enlouquecendo-as, vampirizando-as, aniquilando-as quase, sem nenhuma piedade? O Rabi olhou ternamente, o discípulo sisudo e respondeu com suave entonação de voz: - Convém recordarmos que os demônios são as almas daqueles que habitaram a Terra e foram despidos pela morte, retornando à pátria de origem: o mundo espiritual. Porque a sua era uma conduta vilipendiosa, entregue aos disparates da insensibilidade moral, à luxúria e às paixões perversas, despertaram além da morte com as imensas feridas dos sentimentos abertas em chagas vivas e, infelizes, comprazem-se em atormentar todos aqueles com os quais se afinizam. As criaturas humanas ouvem e tomam conhecimento das Escrituras que advertem quanto ao comportamento e aos deveres para com Deus e os seus irmãos. No entanto, entregam-se aos prazeres cumprindo algumas recomendações legais, sem qualquer vínculo com a vida espiritual. Dão a impressão que viverão para sempre no corpo e, quando descobrem a imortalidade acreditam-se credenciadas ao repouso no paraíso gratuito que pensam merecer. O Pai generoso e sábio permite que os mais comprometidos porém, voltem à Terra em estado de redenção, enfermos e debilitados, tomando-se vítimas daqueles aos quais prejudicaram e anatematizaram.

E qual seria - indagou o discípulo atento -o meio para impedir essa ocorrência lamentável por sua crueldade? Os profetas demonstraram que a existência terrena é oportunidade para o crescimento espiritual e prescreveram as leis que, obedecidas, precatam os indivíduos das interferências do mal. O egoísmo, a soberba, os sentimentos negativos, porém, prevalecem em sacerdotes, levitas, fariseus, saduceus inescrupulosos, divulgando as suas ideias fantasistas e negadoras da realidade de Deus, facultando a degradação íntima, embora disfarçada pela pureza dos trajes impecáveis, da hipocrisia religiosa, que a todos empurram para a submissão às forças do mal. Para sanar a calamidade proponho o amor incondicional como recurso preventivo e curador de todas as desgraças, por dignificar o ser humano e resguardá-lo das influências destrutivas provindas do mundo espiritual. Quando se ama, eliminam-se as imperfeições e ascende-se moralmente a estâncias elevadas, que se constituem impedimento para as fixações mentais desses desventurados com os aflitos da Terra. Dias virão, no futuro, em que o Pai enviará os Seus mensageiros em meu nome para iluminar as consciências terrestres e resgatar os que demonizam as demais, voltando-se para o bem.

Bartolomeu refletiu um pouco e porque o silêncio geral o estimulasse, volveu a nova interrogação: - E o que acontecerá a Legião, a esses Espíritos que foram expulsos do endemoniado de Gadara? Voltarão à Terra - ripostou o Mestre - sofridos e assinalados pelas enfermidades do mal que praticaram, depurando-se mediante as bênçãos das dores acerbas. Ninguém burla as leis de amor, de compaixão e de misericórdia estatuídas pelo Pai. Por isso, é necessário ser-se simples como o lírio do campo, humilde e puro de coração como as leves borboletas, pobre de espírito de inveja e de torpezas e sentir fome e sede de justiça superior e nobre, a fim de ser-se saciado e encontrar-se o reino dos céus onde passará a habitar.

Logo silenciou, detendo-se na contemplação dos astros luminosos no firmamento. As ânsias da Natureza registraram nas suas ondas e, na atualidade, o conhecimento da obsessão atestam a afirmativa do Senhor, traçando diretrizes para quem deseja a conquista da saúde em plenitude.


Amélia Rodrigues Psicografia de Divaldo Pereira Franco, na sessão mediúnica da noite de 21de dezembro de 2014, no Centro Espírita Caminho da Redenção, em Salvador, Bahia. 



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